segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Como Seria Se Eu o Perdesse?


“Há tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar”  Eclesiastes 3.5

“Precisamos tentar chegar ao ponto de ver o que possuímos exatamente com os mesmos olhos com que veríamos tal posse se ela nos fosse arrancada. Quer se trate de uma propriedade, de saúde, de amigos, de esposa e de filhos, em geral percebemos o seu valor apenas depois da perda.”  Arthur Schopenhauer, em 'A Arte de Ser Feliz'
A forma como atribuímos valor à vida e às pessoas é no mínimo estranha!  Como caçadores obstinados, estamos sempre em busca de algo, em busca de preencher alguma falta. Ora o que nos falta é o emprego, ora são amigos, ou filhos, ou esposa, ou esposo; ora nos falta uma casa ou carro; ora nos falta dinheiro ou descanso; ora nos falta saúde ou paz, enfim, sempre nos relacionamos com a vida pela via da falta. O passo seguinte é a luta que travamos para alcançar o preenchimento dessas faltas e amenizar nossas angústias e infelicidades. Então, o que era falta, agora é posse. Temos o tão sonhado emprego, casamento, filho, dinheiro, casa, saúde etc, mas ao invés de plena satisfação, o que paira silenciosamente é uma sensação de que não sabemos exatamente como lidar com nossas “posses”.  A verdade é que somos estranhos! Lutamos para ter e quando temos, não atribuímos o valor devido ao que temos. Já dizia o poeta inglês Thomas Hardy: “A felicidade não depende daquilo que nos falta, mas do bom uso que fazemos daquilo que temos.”
Segundo a lei de mercado, é na falta de um produto e no excesso de procura, que tal produto tem o seu valor aumentado; e ao contrário, se existe muita oferta do mesmo produto e pouca procura para consumo, o valor do mesmo despenca.  Em suma, é na falta que o valor aparece. Assim como o silêncio ou pausas em uma música faz destacar o som e produzir uma linda melodia. O que seria do som se não fosse o silêncio? Mas será necessário perdermos para aprendermos a valorizar? Parece que sim, por mais que eu não concorde. Os gritos de angústia e dor sempre surgem quando perdemos o emprego, quando o dinheiro acaba, quando os filhos se vão, quando a esposa cansada pede divórcio, quando um pai ou mãe adoece e morre, quando damos adeus para um amigo ou quando uma doença nos domina.
Deveríamos olhar para o que temos e atribuirmos o valor que lhe é devido, enquanto temos, e não esperar a violência de uma perda para que nosso coração se desperte. Dê uma olhada para tudo o que possui, observe atentamente as dádivas de Deus e se pergunte: Como seria se eu o perdesse? Na projeção de uma perda, encontramos o verdadeiro valor das pessoas e coisas.

 “Não é difícil amar o que nos falta, o maior desafio é amar o que temos”  André Comte-Sponville

Pr. Hilquias

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

GRAÇA PRECIOSA X GRAÇA BARATA

A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o ser humano sai e vende com alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para cuja aquisição o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o senhorio régio de Cristo, por amor do qual o ser humano arranca o olho que o faz tropeçar; o chamado de Jesus Cristo, pelo qual o discípulo larga suas redes e o segue.

A graça preciosa é o Evangelho que se deve procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta à qual se tem que bater.

Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao ser humano, e é graça por, assim, lhe dar a vida; é preciosa por condenar o pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por ter sido preciosa para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu Filho - "vocês foram comprados por preço" - e porque não pode ser barato para nós aquilo que custou caro para Deus. A graça é preciosa sobretudo porque Deus não achou que seu Filho fosse preço demasiado caro para pagar pela nossa vida, antes o deu por nós. A graça preciosa é a encarnação de Deus.

Dietrich Bonhoeffer - Fragmento da obra: Discipulado

HOJE, é tudo que tenho!



“Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo.” Tiago 4.14,15


Arthur Schopenhauer, em A Arte de Ser Feliz, ao afirmar que sabedoria de vida é usufruir do presente, declara: “...planos e preocupações com o futuro ou também a saudade do passado ocupam-nos de modo tão contínuo e duradouro, que o presente quase sempre perde a sua importância e é negligenciado; no entanto, somente o presente é seguro, enquanto o futuro e mesmo o passado quase sempre são diferentes daquilo que pensamos. Sendo assim, iludimo-nos uma vida inteira.” 

É curioso o que fazemos com a vida, ao viver ancorado no passado, normalmente carregado de saudosismo infrutífero e nostalgia insignificante; ou ainda, projetando a vida sempre para frente, como se, de alguma maneira, o melhor sempre tivesse distante, e tudo que tenho que fazer é dar um passo a mais e sempre um passo a mais, para quem sabe um dia agarrar uma tal felicidade. De certa forma, sonhar é preciso, pois os sonhos nos movem. Minha crítica à projeção que fazemos no futuro, não se refere ao exercício de planejar, ter esperanças, expectativas e se mover por fé na certeza de que o melhor de Deus está por vir, pois ao contrário morreríamos; mas, me refiro ao fato de fazer do futuro uma condição de negação do presente. Muitos são aqueles que se sustentam em discursos futuristas ou preteristas e de forma leviana acabam negando a vida que já possuem e, portanto, abraçam uma falsa sensação de vida, uma ilusão. Trata-se de um prejuízo incalculável, negar a vida ao negar o hoje, o tempo presente, pois o presente é tudo o que temos, já dizia Tiago, ao afirmar que não sabemos nada sobre o futuro e que a vida é frágil e transitória como um vapor.

Por ignorar o presente e viver em um movimento pendular improdutivo de ora no passado, ora no futuro, perdemos oportunidades fantásticas de afirmar a vida que Deus nos deu e usufruir da graça de Cristo no aqui e agora. Perde-se tanto por não enxergar o valor imensurável do momento presente. Já afirma o dito popular: “quem vive de passado é museu”, eu ainda diria: quem vive de futuro é lunático, louco.
Não somos pessoas sem passado ou sem futuro, pois o passado diz muito sobre nós e o futuro se apresenta como esperança. No passado estão os registros mais relevantes que me permitem entender o porquê sou quem sou; e no futuro a projeção de conquistas que ainda não fiz. Mas mesmo estando carregado de sentidos, de importância, tanto o passado quanto o futuro, ainda assim, tudo o que realmente tenho é o presente. É o que posso mensurar, tocar, usufruir. Nosso pecado é a demasia com que atribuímos valor ao passado e ao futuro. Arthur Schopenhauer em Aforismos para a Sabedoria de Vida,  afirma: “Muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados.”
Tudo que temos é hoje! Afirme-o, pois é dádiva divina. O presente constitui o cenário perfeito para a nossa felicidade.

“Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo...”  Mateus 6.34

Pr. Hilquias 



quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mergulho em Deus

  Uma das marcas incontestáveis do cristianismo contemporâneo é a superficialidade; talvez seja esta a marca de nossa geração e para além da própria fé, estejamos tecendo nossa história, nos mais diversos níveis, com os fios frágeis da transitoriedade constante, sem nunca aprofundar em coisa alguma. Mas quando o assunto é vida com Deus, o que se requer de nós é uma postura que nos mova da superfície para as profundezas da vida espiritual. 
    Gideão, personagem que muito contribui sobre o assunto em questão, tem parte de sua história narrada em Juízes 6.11-27 e nesse episódio, o retrato pintado era de um homem que se furtou o prazer e o direito de viver intensamente sua fé, pelo simples fato de se permitir ser dominado por seus medos, seus fantasmas.  Deus queria usá-lo para livrar Israel das mãos dos midianitas, mas seria necessário, antes de tudo, um mergulho em Deus e a ruptura com as distorções existências que lhe marcavam. Quero destacar pelo menos cinco questões relevantes nesse processo:
     Primeiro que sair da superficialidade só foi possível para Gideão, na medida em que seus medos foram superados. Ele vivia se escondendo, buscando refúgio em um velho carvalho, evitando possíveis confrontos (v.11). Foram sete anos de anulação de todo o seu potencial. Nossos medos nos impedem de avançar. É preciso sair do refúgio de nossos “carvalhos”, enfrentar a vida na dependência de Deus e suplicar ao Espírito Santo que nos revista de ousadia, de coragem. Não é possível construir nada relevante, se somos o tempo todo governados por nossos assombros, ao invés de soberanamente ser conduzidos por Deus.
     Segundo que Deus precisou corrigir uma distorção em sua auto-imagem. Deus o via como um “homem valente” (v.12), mas ele se via como um covarde. A forma como nos enxergamos muda tudo. Se avançamos, se recuamos, está ligado de certo modo à nossa auto-imagem. Quando Gideão se observava, só via desvalor, fracasso. É preciso se enxergar tomando emprestadas as “lentes” de Deus, pois ele nos vê, como pessoas cheias de valor e potencial, pois fomos criados à sua imagem e semelhança. Não adianta focar no olhar alheio e esperar que todos te vejam como alguém de valor, se você mesmo não se vê desta maneira. A forma como você se enxerga, molda seu caráter. Gideão precisou dar crédito ao Senhor e acolher como verdade absoluta o olhar divino que lhe conferia coragem – “homem valente”.
     Terceiro que Gideão precisou aprender a valorizar o que tinha em mãos. O Senhor disse a ele: “vai nesta tua força” (v.14). Ele tenta contra-argumentar dizendo: “minha família é a mais pobre... e eu o menor na casa de meu pai”. Veja, a melhor pessoa que Gideão poderia ser era Gideão. Não importa que história de família temos, se somos pobres ou ricos, se moramos em uma mansão ou temos uma casa simples e financiada, se somos negros ou brancos, se falamos vários idiomas ou mal dominamos o nosso; o que importa é que não podemos fugir de quem somos e é exatamente a partir de quem somos e do que temos em mãos que Deus quer nos usar. Não precisamos ser outra pessoa e nem ter o que os outros têm para ir mais longe. O milagre de Deus começa a partir do que é realidade presente em nós.
     Quarto que Gideão precisou desconstruir todas as suas falsas confianças e estabelecer uma confiança plena no poder e na graça de Deus. O Senhor lhe disse: “Eu hei de ser contigo e tu ferirás aos midianitas como a um só homem”. Se Gideão tinha alguma garantia de vitória, esta não estava apontada para si mesmo, mas para o Senhor. Nossas vitórias se estabelecem a partir de nossa fé, nossa esperança, nossa confiança em Deus. Viver desconfiado, governado por dúvidas, questionamentos, inseguranças não te permitirá sair da superfície. É na medida que creio no sobrenatural, que creio no poder do amor de Deus por mim, é que posso dar o passo seguinte e mergulhar mais fundo nas experiências espirituais.
     Por último, se queremos mergulhar e sair da superfície espiritual, assim como Gideão, vamos precisar restabelecer nosso culto pessoal a Deus. A Bíblia afirma que “Gideão edificou ali um altar ao Senhor” (v.24). Deus está à procura de adoradores e não de expectadores ou platéia. Deus não realiza uma obra através de nós, sem antes fazer uma obra em nós. Não podemos construir nenhuma expectativa de romper com a superficialidade, se somos incapazes de romper com o comodismo, com a preguiça e levantar nossos altares caídos. É preciso colocar fogo no altar, ou seja, é preciso aquecer nosso coração e expressar uma adoração que o Senhor é digno de receber. Eu não me refiro aos cultos coletivos, focados nos templos, mas ao que acontece na privacidade de nossa casa, nosso quarto. Nosso culto pessoal precisa ser restaurado!
     Podemos continuar repetindo a história de uma fé superficial ou podemos mergulhar mais fundo. A escolha é nossa!

“E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração.” Jeremias 29:13

“A maior ameaça para a igreja não é o anticristo ou anticristianismo, mas um cristianismo vivido na superficialidade.”

Pr. Hilquias