segunda-feira, 28 de março de 2011

Solidão e Liberdade

“Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre.” Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'
Somos convidados o tempo todo a fugir da solidão, pois a mesma é interpretada como ameaçadora; e conceitualmente de fato é. Mas a solidão pode ser compreendida de várias maneiras. A solidão pode ser vista como violência contra nossa condição humana, que grita por encontros, por comunhão; pode ser sinônimo de morte, de vazio, de ausência, de desprezo, de rejeição etc. No entanto, a solidão pode ter outra conotação, pode ser entendida como um espaço singular para expressão da verdade e manifesto da liberdade. Todos que desejamos crescer precisamos de certa dose de “solidão”. Em outras palavras, precisamos nos encontrar com nós mesmos, e a partir desse espaço de genuína liberdade, expressar diante de Deus nossas verdades. Nesse sentido, a solidão pode produzir alterações fantásticas em nosso caráter, visão de mundo, postura diante de vida.
Moisés, Abraão, Davi, Daniel, João Batista, Paulo e até o próprio Jesus Cristo precisou de “solidão”. Estar só, faz parte dos planos de Deus para a vida cristã.
Uma das passagens bíblicas que mais que chama a atenção a respeito desse valor é Mateus 6.6 “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.”
Jesus sabia o valor da “solidão” quando se está em questão buscar a Deus. É quando estou sozinho num quarto, que encontro plena liberdade, diante do Pai, para repartir com Ele verdades profundas sobre mim. É obvio que esta não é a única maneira de orar, mas é certo que é a mais profunda e  geradora da mais extraordinária intimidade espiritual.
Cristo sempre esteve cercado de multidões, mas nunca abriu mão da maravilhosa experiência de estar sozinho com o Pai. “E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá estava ele, só.” Mateus 14.23
A comunhão e solidão não são antagônicas, não se contrapõem; ao contrário, são dois lados de uma mesma moeda, pois a "solidão" nos prepara para vida em sociedade. Cristo como ninguém conjugou esses dois pólos de espaços vitais. Ele (Cristo) soube como ninguém valorizar os contatos, os encontros, as oportunidades de estar com gente, muita gente e com elas dividir os valores e milagres do Reino do Pai; mas nunca desprezou os preciosos momentos de "solidão"; momentos esses que lhe restauravam as forças e o potencializava a retornar às multidões com muitos sinais e maravilhas.
No meu entendimento, quem não está preparado para valorizar os momentos de “solidão”, jamais estará preparado para viver plenamente a comunhão. Pois, é à medida que exploro a solidão, como espaço de plena liberdade, é que posso tratar diante de Deus as verdades sobre mim.
Quer um conselho? Não despreze a “solidão”,  mas use-a para encontrar caminhos nobres, para andar diante de Deus e diante dos homens com honra e dignidade.

Pr. Hilquias





segunda-feira, 14 de março de 2011

As Armadilhas da "Esperança"

“Os mortos não louvam ao SENHOR, nem os que descem ao silêncio.” Salmos 115:17

“A esperança é a última que morre”, declara o dito popular. Estamos impregnados pela esperança e de certa forma não vivemos sem ela. Mas existem esperanças e esperanças. A esperança pode ser entendida como paciência, como o exercício de esperar, até que um sonho se realize, até que o casamento saia, até que o emprego venha, até que o filho nasça, até que, até que... Nessa perspectiva tal esperança pode estar alinhada à fé e sem sombra de dúvida, este tipo de esperança torna a vida menos pesada e conseguimos lidar mais facilmente com nossos desejos frustrados temporariamente; porque sabemos que será uma questão de tempo e o que esperamos, pela fé, tornar-se-á realidade, no que tocar à vontade de Deus. Já dizia Davi: “Deleita-te também no SENHOR, e te concederá os desejos do teu coração.” Salmo 37.4
No entanto, existe uma esperança perigosa, que sem percebermos nos faz assinar antecipadamente nosso próprio atestado de óbito. É a esperança que nos faz adiar a vida, que nos leva a projetar para o futuro e sempre para o futuro, sonhos que poderiam ser realizados no presente. De um jeito discreto e ardilosamente mortal, esta esperança travestida de paciência e até de piedade, nada mais é que falta de fé e de ousadia. Uma esperança que se sustenta na nossa incapacidade de dar o passo seguinte, desconfiando se o Senhor nos sustentará enquanto andarmos por sobre as águas.
Não podemos contar com o passado, pois este já não é; nem tão pouco com o futuro, pois ainda não é. Se temos um tempo, é o presente. Se você passar o resto da vida esperando, no sentido de assumir covardemente a postura de alguém que nunca arrisca viver; o máximo que poderá ser alcançado é uma experiência de quase realização, portanto, uma “realização” fragmentada, fantasiosa e sem raízes na realidade.
A vida passa e mais rápido que podemos imaginar; e uma forma divina de afirmar a vida, enquanto dádiva de Deus é valorizando o tempo chamado agora, pois é o único com o qual realmente podemos contar. Quanto ao futuro, este diz respeito a Deus, o Senhor que está acima do tempo.
Não espere a vida passar para amar, para perdoar, para edificar um lar, para compartilhar a fé, para servir ao faminto, para usufruir da companhia dos amigos, para começar um projeto de vida; não espere a vida passar para gastar tempo com seus filhos, para fazer um investimento, para se arriscar na música ou na poesia; não espere a vida passar para abrir os olhos e perceber fora de tempo que já é tarde demais e me resta lamentar e somente lamentar. “Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento” Eclesiastes 12:1

“A esperança que se retarda deixa o coração doente, mas o anseio satisfeito é árvore de vida.” Provérbios 13:12

Pr. Hilquias 

domingo, 13 de março de 2011

Diga a Verdade Sobre Você

 “Jacó, porém, ficou só...” “E disse-lhe: Qual é o teu nome? E ele disse: Jacó”  Gn 32.24,27


Um dos caminhos mais difíceis de ser percorrido é o da auto-análise ou auto-avaliação. É relativamente fácil emitirmos nossa opinião sobre o outro, mas dizer a verdade sobre nós mesmos é simplesmente desconfortável e desafiador.  Como diz Paul Stevens: “Dizer a Deus toda a verdade sobre nós mesmos é um milagre”.
Quando o nosso olhar é direcionado para fora, as palavras ganham um tom de facilidade; mas se nosso olhar faz o caminho inverso e começamos a olhar para dentro de nós; as palavras pesam, se desorganizam, fogem. Então sobra fugirmos; e não se trata de uma fuga qualquer, mas de uma tríplice fuga: fugimos de Deus, dos outros e nós mesmos.
Fugimos de Deus, porque é difícil encarar alguém que sabe tudo sobre nós; que conhece nosso íntimo; que vê o coração - “...O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração.”  1 Samuel 16.7. É difícil ter que olhar para alguém que antes da palavra chegar à língua, já as conhece; que esquadrinha nosso andar e deitar. Diante dEle todas as coisas estão descobertas e patentes; então, se não queremos saber sobre nós, resta-nos a tarefa de fugirmos, mesmo que a posteriore tal fuga não nos conduza a lugar algum.
Fugimos do outro, porque se firmamos alianças, estreitamos amizades, estabelecemos vínculos de afeto, logo comprometemos nossa privacidade. Quanto mais perto alguém estiver, quanto mais íntimo for, maior chance ele terá de acessar a verdade sobre nós.  Mais uma vez resta-nos fugir, assim “garantimos” a segurança de nossos segredos.
Fugimos de nós mesmos, tememos estar sozinhos, porque se pausamos para refletir, para fazer uma auto-análise; se decidimos não mais nos enganar, e nos propomos a rasgar o coração e não negociar a verdade; se assumimos a postura de enfrentamento sobre quem somos; corremos o risco de descobrirmos e enxergarmos o que não gostaríamos de atestar: nossos fracassos, nossos pecados, nossas mazelas. Então, se não somos capazes de lidar com a verdade sobre nós; resta-nos outra vez fugir.
Mas até quando seremos capazes de sustentar uma vida em fuga? Jacó decidiu parar de fugir e encarar uma realidade dura, uma realidade que revelava um homem usurpador, com defeitos de caráter que se arrastava por anos. Era tempo de concertar as coisas e mudar de vida. Então Deus o levou ao Vau de Jaboque e lá esteve só. Sem ninguém por perto, Jacó rasgou o seu coração e disse, respondendo a pergunta do anjo: “me chamo Jacó”, em outras palavras, ele estava confessando: “sou trapaceiro”.  O milagre na vida de Jacó começou quando ele resolveu dizer toda a verdade sobre si mesmo a Deus.  Ele decidiu para de fugir, decidiu direcionar seu olhar para dentro de si, reconhecer seus limites e pecados e esperar por um milagre da parte de Deus - Não te deixarei ir se me não abençoares” Gênesis 32.26. De Jacó (trapaceiro), passou a se chamar Israel (príncipe de Deus). Ninguém muda de vida fugindo, mas no enfrentamento, por mais duro que pareça.

Quer um milagre? Quer mudar de vida? Para de fugir e confesse toda a verdade sobre si mesmo a Deus.

 “Porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria verdade.” 2 Coríntios 13.8

“O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia.” Provérbios 28.13

Pr. Hilquias

sábado, 12 de março de 2011

Vida Para Além do Comum

“Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.” 1 João 2:15

Bem vindo ao mundo globalizado! Isso pode soar como comemoração, uma vez que a globalização é entendida como um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política em níveis nunca vistos ou experimentados. Não existe mais distância, pois estas foram quebradas pelos avanços tecnológicos no campo dos transportes, das operações financeiras, das telecomunicações etc. Então, viva a globalização!
Mas nem tudo é alegria nesse esquema social que se põe a integrar os povos. Junto com seus benefícios surgem formas perigosas de vida; dentre elas destaco a homogeneização dos comportamentos (homogêneo = da mesma natureza que outro; análogo). Essa condição mostra sua cara na moda, nos relacionamentos, na forma de se gastar o tempo e o dinheiro; na culinária e até na maneira de definir a fé. O processo é simples, criam-se padrões e estes são adotados como “normas sociais” e quem não as segue automaticamente se exclui. O comum é tentar ser igual ou aproximar-se minimamente dos padrões. Então não se tem um jeito exclusivo de ser japonês, americano ou brasileiro. É tudo junto e misturado. Não é difícil ver um americano comendo sushi e nem um japonês degustando um sanduíche do Mcdonald.
Aparentemente podemos interpretar como possibilidades, o que de fato é, mas ao mesmo tempo há uma espécie de imposição à imitação sem reflexão. Temos que comer o que todo mundo come, vestir o que todo mundo veste, falar a língua que todo mundo fala, lidar com nossos relacionamentos de afeto como todo mundo, ver a fé como todo mundo vê, enfim, tornarmo-nos análogos, da mesma natureza ou homogêneos. Vale ressaltar que enquanto falo da homogeneização, também penso na multiplicidade, no entanto, emerge da multiplicidade estilos “certos” de se viver.
Mas será que como cristãos podemos fazer, pensar, vestir, comer, falar como todo mundo. Certamente que não precisamos romper com este mundo, enquanto mundo cultural, ou seja, podemos comer sanduíches do Mcdonald e tomar Coca-Cola; mas precisamos nos diferenciar dos padrões apontados como normais, à medida que põem os nossos valores morais e espirituais em check . Não fomos chamados para ocupar o lugar COMUM, mas sim o DIFERENTE. Viver a fé integralmente, pressupõe andar em muitos momentos na contra-cultura, no desacordo, no dissenso.
O mundo, enquanto sistema que se apõe à Palavra de Deus, não é pra ser experimentado e amado, até porque “se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.” 1 João 2:15. Deus nos chama para vivermos uma vida para além do comum, nos chama para sermos diferentes, fazermos a diferença. O mundo corrompido pelo pecado e consequentemente em colapso moral, não precisa de respostas que venham dos padrões homogêneos, até porque foram muitos desses padrões que o conduziu a este estado; mas o requerimento é por um padrão que se mostra forte pela diferença.
Se todo mundo terceiriza a educação dos filhos; negocia uma boa amizade; trai o cônjuge; cresce pela via da corrupção; ignora a Deus; age com violência psicológica ou física; faz da mentira uma forma de vida; não significa que temos que repetir tais comportamentos. Podemos pela fé recusá-los e encontrar na Palavra de Deus o jeito certo de se viver, o jeito que produz afetos saudáveis, respeito, honra, honestidade, amizade, amor, perdão, bondade, vínculos fortes de amizade, casamentos abençoados,  famílias estruturadas, temor a Deus, fé inabalável, saberia e muito mais.
Se tivermos que ser parecidos com alguém, se tivermos que seguir algum padrão, que este seja Cristo, autor e consumador de nossa fé. Já afirma o apóstolo Paulo: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados” Efésios 5:1
Você não foi perdoado, salvo, amado para ocupar o lugar comum e fazer o que todo mundo faz, mas a ocupar o lugar incomum, diferente, o lugar da sujeição a Deus, da obediência a qualquer custo, o lugar do discipulado.

“Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens.” 1 Coríntios 7:23

Pr. Hilquias

quinta-feira, 10 de março de 2011

Autonomia e Fé

Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim. Gálatas 2:20


A abertura cultural no campo da ética, da moral, do mundo estético; a queda das censuras públicas, dos governos ditadores; as possibilidades de expressão por meio da arte, da música, da dança, da poesia; proporcionaram nas últimas décadas avanços consideráveis. Mas, juntamente com tais avanços, instalou-se a busca desenfreada por autonomia e liberdade. Ninguém mais aceita passivamente uma coação, um mando. Toda e qualquer ordem passa pelo crivo da liberdade pessoal, podendo ser respondida positiva ou negativamente. Tudo se tornou extremamente relativo.
Enquanto o assunto toca apenas a cultura, é possível, de fato, apontar muitas vantagens nesse tempo de autonomia humana. No entanto, por trás dessa cultura libertária, reina sutilmente uma filosofia humanista execrante dos valores espirituais, expondo cada cristão à uma avalanche de possibilidades de pecar; tudo em nome da liberdade.
O discurso é simples: “somos autônomos ”. Mas até que ponto autonomia é a plena vontade de Deus? Antes de qualquer coisa, é preciso entender o que está por trás desta palavra.  Autonomia do grego, autos = por si só +  nomós =  lei, ao pé da letra esta palavra significa “lei por si só”, ou “lei própria”. Autônomo é aquele que si manda, si governa, que tem a lei internalizada e, portanto, não precisa em tese, de uma lei externa.  Ele pensa e age na liberdade plena, pois se autogoverna.
A questão é que, o Evangelho nos propõe outro caminho, outro padrão de entendimento. Aquele que está em Cristo, crucificou seu “Eu”, sua vontade, suas leis, seus valores idiossincráticos, privados e estabeleceu como lei absoluta, a lei de Cristo ou a vontade de Cristo. Como o apóstolo Paulo afirma: “...vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim”.
Homens de fé, de certa forma são autônomos, se entendermos autonomia como maturidade para decidir sobre a vida; mas à luz da etimologia da palavra autonomia, é impossível um homem viver plenamente o cristianismo, o discipulado, sem que antes crucifique suas próprias leis e acolha a soberana vontade de Deus. Já dizia Jesus: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me” ( Mateus 16:24).
Alguns poderiam argumentar que o Evangelho produz liberdade; eu diria: é verdade. No entanto, a maior liberdade é aquela que nos permite romper com as cadeias do inferno e do pecado. Ao contrário disso, a liberdade e a autonomia têm sido usadas para justificar o pecado, o erro, as mazelas humanas. Se temos liberdade em Cristo,  então que usemos esse poder para amar a Deus e obedecê-lo.
O filósofo Greg Bahnsen, afirma em seu livro Teonomia na Ética Cristã que na autonomia o indivíduo é a fonte de sua ética, de sua lei, de sua moralidade. No entanto, na teonomia a fonte da Lei é Deus (Téo = Deus + nomia = lei). Se precisamos de alguma lei que conduza nossa história de vida, certamente, esta é a teonomia, a lei do Senhor. “A lei do SENHOR é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do SENHOR é fiel, e dá sabedoria aos simples. Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro, e ilumina os olhos.”  Salmos 19-7,8
É tempo de destronar nosso ego e devolver a Cristo sua centralidade em nossa vida. Se erramos nesse tempo, erramos por buscar uma lei própria, marcada por relativismos absurdos; erramos por ignorar a voz de Deus que se revela por sua Lei.

Precisamos de cruz, de sacrifício – “Já estou crucificado com Cristo”. Gl 2.20

“Porque qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas, qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará.” Marcos 8:35

Pr. Hilquias