segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Perigo de Uma Única História

João 8. 3-11

    A vida em toda sua complexidade não pode ser contada de uma única forma. O que somos requer mais do que uma ótica para dar conta de explicar.  E como afirma a jornalista da Época, Eliane Brum:  “Contar uma única versão sobre nós mesmos pode significar abrir mão de viver.” Somos uma sobreposição de muitas histórias, e uma cena da vida, num dado momento, é mais que uma cena recortada, é a representação de uma bagagem ampla e diversa de toda uma existência.  A romancista nigeriana Chimamanda Adichie, uma contadora de histórias, adverte que se ouvirmos apenas uma história sobre outra pessoa, arriscamos um desentendimento crítico. Ou seja, qualquer opinião pode ser incompleta, incoerente ou até mesmo vazia, se tudo o que temos é uma ótica, uma única ótica.
    A história única empobrece e até aniquila a vida e impossibilita uma melhor compreensão do outro que está diante de nós. Lembro-me da história de uma mulher, sem nome, mas, marcada pelo estereótipo de “mulher adúltera”, registrada em João 8. 3-11. Que o adultério é um pecado, uma transgressão, todos sabemos, assim como os fariseus também sabiam. Mas,  a história narrada por eles, por mais que verídica, uma vez que a mesma foi pega em flagrante adultério (João 8.4), não dizia tudo sobre aquela mulher.  Ela era mais que uma mulher adúltera, e ninguém investigou isso. Que outras histórias essa mulher contaria sobre si, se tivesse a liberdade de fazê-lo? O interessante é que Jesus tinha outro olhar, e foge dessa única história contada pelos acusadores, e carregado de compaixão enxerga uma mulher, com seus medos, fracassos, angústias, sonhos frustrados, culpa e muito mais. O olhar de Jesus se recusava a capturar apenas a cena da transgressão, e indo mais além, enxerga o particular, o secreto do coração. Em momento algum o Senhor foi conivente com o seu pecado, mas perdoando-a, a fez entender que ela poderia ser mais que uma mulher adúltera, poderia ser uma mulher livre, abençoada, transformada pelo amor. Talvez, se muitos de nós estivéssemos no lugar de Jesus, continuaríamos contando a mesma história sobre esta mulher, pois é mais cômodo emitir um julgamento sem reflexão e rotular as pessoas, contando sobre elas alguma história fixa, do que mergulhar em suas vidas e tentar entendê-las a fundo e dizer sobre elas algo além do obvio, algo além da mesmice dos discursos já anunciados.
    Ser cauteloso antes de contar uma única história sobre alguém é evitar um julgamento precoce e superficial, e dar àqueles de quem falamos, o privilégio de contar outras histórias sobre si.

"Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça" 
 João 7.24

“Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.” Guimarães Rosa

Pr. Hilquias


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